#2 - "Por que você faz arte?" - sobre Look Back (2024)
Escrevendo um pouco sobre um filme que mexeu bastante comigo
Avisos:
Esse texto é um pouco mais pessoal;
Há alguns spoilers sobre a trama de Look Back, então recomendo assistir antes de ler. O filme está disponível na Prime Video.
Uma das minhas lembranças mais queridas da infância são dos momentos em que eu desenhava com pessoas próximas. Lembro-me de tardes em casa, rabiscando com meu irmão e meu primo. Eu ficava admirado com os traços que meu primo fazia e com a criatividade que emanava de seus desenhos. Lembro também de ir para a escola e desenhar com meus amigos, mostrar a eles minhas novas criações e desenvolvermos juntos novas ideias e histórias. De ficar animado e assustado quando alguém pedia para eu ensiná-la a desenhar. Assustado porque eu nunca me achei muito bom, mas animado porque eu poderia compartilhar esse hobbie com alguém.
A arte sempre foi uma parte importante da minha vida, principalmente o desenho. Eu amo desenhar, amo me inspirar na arte dos outros, amo tudo o que tem a ver com isso.
Não à toa, o filme animado Look Back ressoou tanto comigo.
Dirigido por Kiyotaka Oshiyama e baseado no mangá de Tatsuki Fujimoto, o filme conta a história de Fujino, uma garota que desenha tirinhas para o jornalzinho da escola. Ela gosta de ouvir os elogios de seus colegas e se orgulha do que produz e de ser a melhor desenhista da sala. Até que um dia, outra aluna chamada Kyomoto começa a desenhar. E o problema é que ela desenha melhor que Fujino.
O filme conta a história de como elas se tornaram amigas. Elas se conhecem e começam a desenhar mangás juntas. Kyomoto é a maior fã dos mangás de Fujino, que secretamente inveja sua habilidade artística. Porém, as duas se apoiam, passam dias e dias juntas desenhando e formam uma dupla chamada Kyo Fujino, publicando mangás.
A história também mostra a parte difícil de desenhar e de criar. Dedicar-se a arte é árduo, pode ser até algo solitário. O filme representa isso com a passagem do tempo, onde Fujino preenche cadernos e mais cadernos enquanto as estações passam, criando pilhas gigantes de desenhos praticados. E quando mostra a casa de Kyomoto, ela possui ainda mais pilhas de cadernos, que preenchem seu quarto e o corredor. Porém, Fujino se frustra com seu desenvolvimento e se compara a todo momento com as habilidades de Kyomoto.
Fujimoto, o autor do mangá original, é muito conhecido por ser o autor de Chainsaw Man, uma de minhas obras favoritas e uma das mais mal interpretadas de todos os tempos. É muito fácil ler seus quadrinhos e absorver de forma rasa, apenas olhando para as lutas e piadinhas bestas, ignorando os temas reais da história. Look Back, assim como Chainsaw Man, tem como um de seus temas a conexão, o afeto e a relação entre pessoas.
Denji, protagonista de Chainsaw Man, é um jovem perdido que anseia por conexões com as pessoas o tempo todo. Ele acha que a única forma de se conectar com outras pessoas é por meio de relações sexuais com mulheres. Então, ele se diminui para elevar as mulheres que lhe interessam, na esperança de ter uma mínima chance, que nunca acontece. Ao mesmo tempo, ele começa a se aproximar de dois colegas: Aki, um funcionário da segurança pública, e Power, uma demônio. Sem perceber, Denji se aproxima dos dois, começa a se importar com eles e cria uma relação familiar pela primeira vez. Claro, esse é um resumo bem cru sobre um dos temas de Chainsaw Man. Porém, a relação que Denji cria e a carência dele é toda a força motriz da história, e tudo que ele mais quer é ter conexões verdadeiras e ser aceito.
Ainda posso falar bastante sobre os temas de violência e repressão que o mangá possui, talvez eu escreva mais no futuro.
Em Look Back, Fujino começa o filme desenhando para conseguir elogios, porque ela é boa e isso não é nada demais. Depois, ela continua a desenhar para superar Kyomoto, após ver seus desenhos no jornal da escola. Enquanto Kyomoto se inspira em Fujino, ela a vê como uma veterana na arte e busca sempre essa parceria. As duas se completam artisticamente, a ponto de uma se sentir perdida sem a outra. Fujino começa a perceber que não vê mais tanta graça em desenhar. Mesmo fazendo sucesso, ela se vê tendo problemas para conseguir assistentes que a satisfaça e uma motivação para continuar.
No final, ela finalmente entende seu verdadeiro motivo para desenhar. Ela não gosta tanto de mangá, não gosta de desenhar por desenhar, mas a relação que tem com Kyomoto, os dias dedicados à arte e à criação de histórias novas motivam Fujino a continuar. Fujino cria arte por causa de Kyomoto, sua maior inspiração, assim como Fujino é para Kyomoto.Nesse momento do filme eu tava igual um bebê chorão.
Arte é algo que conecta as pessoas. Pode ser a banda que você e um amigo gostam e ouvem compartilhando o fone, um livro que sua mãe lia para você antes de dormir, um filme que você foi assistir no seu primeiro encontro, aquele poema que faz você lembrar de pessoas especiais. Não é à toa que a maioria das experiências de arte são compartilhadas em público. Mostrar a obra que você batalhou tanto para criar não é necessariamente um ato egocêntrico onde você busca apenas elogios (pode até ser e tá tudo bem), mas também de compartilhar a sua expressão com o mundo, com outras pessoas, inspirar e ser inspirado.
Look Back ressoou muito comigo e me inspirou a seguir em frente. Faz um tempo que eu me pergunto por que eu faço arte, por que eu escrevo, por que eu ainda desenho e quero viver disso. Acho que são esses momentos, de compartilhar minha arte, de me inspirar em artistas mais experientes, de estudar e receber feedback, de mostrar meus rabiscos pra quem eu confio. Recentemente eu vasculhei pastas com desenhos antigos, e vê-los é ser transportado para a época que eu estava desenhando cada peça, lembrar das conversas, das reações, das risadas, dos momentos.
A arte só existe porque vivemos vidas compartilhadas e precisamos nos expressar. Mesmo que você faça arte para si mesmo, ela ainda se inspira em outros artistas, ela ainda parte de emoções pessoais e das suas conexões. Para se tornar um artista melhor, é preciso se conectar com as pessoas, enxergar o mundo pela lente dos outros e aprender a expressar melhor o seu. A pergunta não é apenas "por que você faz arte", mas também pode ser "por quem?".
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